Sobre a difícil arte de criticar

26/04/2015 19:30
 

E disseram-lhe de entre a multidão alguns dos fariseus: Mestre, repreende os teus discípulos.

E, respondendo ele, disse-lhes: Digo-vos que, se estes se calarem, as próprias pedras clamarão. 

(Lc 19, 39-40)

 

Antes que alguém diga que quero “pagar de santo”, ou estou usando o nome de Deus em vão, ou misturando religião com política, quero deixar claro o motivo de começar essa matéria citando a Bíblia. É que como estou falando para uma cidade onde a maioria das pessoas são religiosas, católicos ou evangélicos, parece importante lembrar o que Jesus, na sua visão avançadíssima para a época e a sociedade em que viveu, (e até mesmo para a Cachoeira dos dias atuais) falou sobre a liberdade de expressão.

Dizer que criticar é fácil, soa tão falso quanto o “fácil” da expressão “Mulher de vida fácil”. Como se fosse fácil a vida dessas mulheres que não tem exclusividade sobre o próprio corpo, são publicamente humilhadas, moralmente julgadas e socialmente excluídas. Da mesma forma, salvo as devidas proporções, criticar pode até parecer fácil, pelo menos aos olhos daqueles que são desprovidos de senso crítico. E acreditem, criticar é muito difícil. Se fosse fácil, como explicar que em Cachoeira só há um blog que faz crítica, e ainda por cima é anônimo? Se criticar é tão fácil, por que os vereadores de Cachoeira nunca criticam, ainda que sejam pagos pelo povo para fazerem isso, e quando grande parte do seu trabalho consista justamente em criticar as ações do prefeito?

Se criticar é fácil, por que uma postagem do Eu Amo Cachoeira com mais de mil visualizações, muitas vezes não tem um comentário sequer? Se criticar é tão fácil, por que razão, entre aproximadamente 300 pessoas presentes na audiência MPEduc, (segundo o Twitter do MPF) tão poucas se dispuseram a falar e em muito menor número ainda foram as que tiveram coragem de criticar, (prontamente silenciadas como aquela mãe que mora em Cajazeiras) ainda muitos existam motivos que valham críticas.

Se alguém entende de crítica em Cachoeira dos Índios e pode falar com propriedade, e tem autoridade para isso, essa pessoa certamente é Wanderley Marques. Durante muitos anos ele foi o único que não se acovardou, que esquadrinhou cada quilômetro quadrado desse município observando, denunciando, bradando aos quatro ventos as injustiças cometidas contra o povo desta cidade. Numa época em que a internet engatinhava, anterior ao advento das redes sociais, Wanderley soube aliar pioneirismo e criatividade ao criar o informativo o Guarani e a TV do Povo. Esta última com sessões itinerantes nos bairros exibindo em vídeo, as provas das irregularidades do governo desta cidade. Hoje Wanderley elogia, com os adjetivos mais nobres as ações da prefeitura. Agora perguntem a ele qual o trabalho mais desgastante e o mais fácil de realizar? O de hoje, ou o que desempenhou nos seus primeiros tempos de vereador? Durante muito tempo colecionou inimigos, recebeu ameaças, mas não aceitou as mordaças, não recuou um centímetro. Outro dia, ouvi o próprio Wanderley falar sobre o quanto se sentiu injustiçado pelo próprio povo a quem defendeu. E isso numa época sem redes sociais. As ações bravamente desenvolvidas junto à Câmara de Cachoeira, pelo melhor vereador de todos os tempos dessa cidade, é desde sempre a mais rica e completa inspiração para a criação e manutenção deste blog. Sem hipocrisia ou demagogia. 

Alguns perguntarão, mas se o blog se inspira em Wanderley Marques, um homem que nunca escondeu o rosto, por que quem faz o blog não vem a público mostrar sua cara. Ora, Wanderley era vereador, eleito democraticamente pelo povo, estava desempenhando um papel que cabe ao vereador, diferente do blog, que é uma inciativa popular e alternativa de oposição, que está tentando agir no vácuo deixado pela câmara de vereadores.

Não recebemos dinheiro e não temos gasto nenhum. Tudo o que fazemos é informar e comentar, instigar o debate, chamar o povo de Cachoeira dos Índios para discutir política. O que é imprescindível numa democracia constituída de cidadãos livres, conscientes, capazes de debater, deliberar, pensar. Não somos robôs programados para dizer “sim”, nem somos marionetes com cordões nos pés e mãos para se deixar manipular. Somos pessoas numa sociedade que vez por outra, reclama para si o título de pós-moderna. Somos sujeitos da história.

Não estamos pregando o ódio nem a divisão das pessoas da cidade. Pelo contrário, nosso blog buscou para título uma declaração de amor à nossa cidade. Amamos cada rua, cada praça, cada esquina, cada palmeira, cada pedra do calçamento, e procuramos irradiar esse amor para cada um dos habitantes da nossa cidade, e estender esse afeto a todo que não nasceu ou aqui mora, mas com imenso amor, ama essa cidade. Queremos unir a todos nesse sentimento de pertencimento ao chão que amamos. 

Não estamos aqui para incitar o ódio nem para difamar nenhum membro do executivo nem do legislativo. Nem tampouco para ofender ou desacatar nenhum funcionário do município ou qualquer cidadão. No entanto, queremos cobrar nossos direitos e denunciar o descaso e a omissão. O hospital fechado, o quebra mola irregular, o Ideb baixo, a praça por concluir, etc e tal. Isso logicamente vai recair sobre alguém. Vai doer e vai ser chato, por que a verdade dói e incomoda. Realmente, sentimos muito por isso.

Há um velho ditado que diz que “é fácil ser pedra, difícil é ser vidraça”. Será mesmo? Primeiro que a pedra não se atira sozinha na vidraça. Ela é sempre jogada por alguém. Depois que no atrito com a vidraça, a pedra também se danifica. Mas isso depende de muitos fatores como o tamanho e a dureza da pedra, assim como da espessura e do material do vidro. Então, será que se a pedra tivesse consciência do dano que sofreria no contato com o vidro, ela se jogaria, ou se deixaria jogar?

Por isso, para haver uma crítica, é preciso que haja um emissor e um receptor. Falamos de quem critica e muito pouco de quem recebe, ou de como o faz. Exceto quando o receptor se sente ofendido. Ora é preciso humildade, muita humildade. Tanto para quem critica quanto para quem é criticado. As pessoas que ocupam cargos eletivos estão sujeitas ao julgamento público de quem as elegeram. Suas falas devem ser ouvidas, apreciadas. Devem ser material de estudo para embasar as decisões e ajustes no governo. Triste é o governo que se considera autosuficiente e que não dá ouvido à voz rouca que ecoa pelas ruas. A presidente Dilma, por exemplo, após o dia 15 março fez um importante pronunciamento à nação onde não apenas legitimou as manifestações, mas defendeu o direito dos brasileiros protestarem.

Mas em Cachoeira dos Índios o novo milênio ainda não alvoreceu. A relação com a imprensa é no mínimo curiosa, e bem que poderia ser objeto para um extenso trabalho monográfico. Fica a dica para os unversitários. Já as redes sociais é algo que a gestão cachoeirense ainda não compreendeu como funciona. Se o perfil é anônimo cobra-se a identidade, já se o internauta se identifica, a sua família é advertida, pedindo que maneire o teor das postagens, senão punida.

Quanto a tarefa de realizar, é difícil. Nunca dissemos que é fácil. Exige planejamento, engenharia, captação de recursos, correta aplicação e prestação de contas. É necessário dizer quanto o governo recebeu e quanto foi investido em determinada obra. Não cabe a nós, o povo, realizar, pois não somos gestores, somos povo. O papel do povo é votar e cobrar a correta aplicação dos recursos que lhes pertencem. A frase “falar é fácil, realizar é difícil” não cabe no contexto, pois não se pode comparar sujeitos com funções tão distintas. É aplicar dois pesos e duas medidas.

Não é com ameaças ou repressão que se trata a opinião pública, ainda mais nos dias atuais em que as pessoas dispõem de aparelhos celulares de última geração, com acesso simultâneo à internet. Nos eventos públicos, em que os cidadãos e a imprensa se fazem presentes, as fotos, matérias, comentários e opiniões fazem parte do ritual da democracia e ocorrem em tempo real. Atribuir autoria a essa ou aquela foto dos gestores em meio ao espaço público, além de ser burlesco é muito pouco prático, não só não acrescenta nada governabilidade, como se constitui um nadar contra as águas da democracia, da liberdade de expressão e das novas tecnologias de comunicação e informação. Imaginem só, se de repente a presidente Dilma decidisse que as pessoas não podem mais fotografá-la nos eventos públicos, nem postar essas imagens nas redes sociais?

Mais absurda e desrespeitosa é a ideia de vistoriar as casas dos cidadãos dessa cidade. O artigo 5° da Constituição Federal de 1988, no inciso IX diz: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". Qual juiz, em sã consciência e justo cumprimento da lei vai autorizar coisa tão sem noção? Simplesmente porque o prefeito sente-se ferido por que os cidadãos estão opinando sobre o governo. A inviolabilidade e a intimidade do lar merecem tanto respeito, que se alguém utilizar o banheiro na casa de um amigo e encontrar uma barata, a boa educação recomenda que ele mantenha silêncio sobre o que viu. Afinal ele é convidado, deve agradecer por utilizar um banheiro cuja limpeza não patrocina. Agora, se vai a uma escola pública da sua cidade, onde parte dos impostos que os cidadãos pagaram durante 50 longos anos está aplicada, ele tem mais é que registrar e reclamar, exigindo que o poder público conserte o que está errado.

Por fim, amigos de Cachoeira, falsidade e anonimato são conceitos distintos. Uma coisa é uma mentira que você sabe quem disse. E outra bem diferente são textos opinativos e argumentativos, acompanhados de fotos, sobre assuntos que a comunidade conhece, mas cuja autoria não foi determinada. Escondido atrás do computador há muito mais que covardes, há pessoas que arriscam a integridade física e moral, para chamar a atenção do povo para a defesa dos seus direitos, que são constantemente violados. Do outro lado da tela tem alguém que muitas vezes deixa desfrutar à noite da companhia dos amigos na praça, para ficar até tarde da noite lendo e pesquisando sobre a nossa cidade, escrevendo para vocês esses textos de alerta embebidos de amor e paixão pela nossa terra. Alguém, em cujo peito bate um coração no compasso dessa cidade, e que ao encobrir a face, desnuda a alma aos olhos de todos. Alguém, cujos amigos que o ajudam, compartilham do mesmo “interesse” por Cachoeira. Esse interesse que de tão “próprio” que é, só pode ser entendido, e sentido, por quem dele se apropria. Dias melhores com liberdade da alma e qualidade de vida para nosso povo, é mais que nosso interesse, próprio e apropriado, é nosso mais profundo desejo.