Comentando O Guarani – A Metamorfose

28/03/2013 16:55

 

O Guarani é um romance do escritor cearense José de Alencar. É um dos três livros do autor romântico de primeira fase, a abordar a temática indianista. Nele, Alencar reconstrói o encontro entre portugueses e indígenas, conferindo aos segundos a dignidade destruída pelos primeiros, nos dias de dominação. Foi claramente inspirado no mito do retorno à natureza de Rousseau. Inspirado n’O Guarani, e em Verdi, Carlos Gomes compôs a ópera homônima, que todo mundo conhece como vinheta de abertura da Voz do Brasil.

O vereador Wanderley Marques criou o informativo O Guarani. Também se inspirou no livro de José Alencar e no passado histórico de Cachoeira dos Índios. Passado do qual pouco se sabe. Muito pouco. A nossa história costuma ser contada a partir de 1905, quando nem havia mais índios por aqui. Nessa época a família Candido, vinda de São João do Rio do Peixe, se instala na margem direita do Rio São José. Em seguida ergue-se a primeira capela, outras famílias se fixam em volta, e, ocorre a emancipação em 1961. Nos últimos 51 anos, o crescimento foi lento, a autonomia da cidade foi reduzida e o poder político residiu basicamente nas mãos de um único grupo político ideológico.

E os índios? Nada sabemos deles. Na falta de documentos e relatos, resta-nos imaginar o que teria acontecido. O que se pode afirmar, com certa dúvida é que o vasto território que compreende a bacia do Rio do Peixe, o Alto Piranhas e se estende até o Rio Jaguaribe no Ceará era domínio dos Icós, um dos povos da grande nação Cariry, também chamados de Icós-pequenos na região do Rio do Peixe.

No livro “Ouro Vermelho: A conquista dos índios brasileiros” John Hemming afirma que os Icós foram traiçoeiramente atacados sem motivos em 1704, 1707, 1708 e 1720.  Já o professor Antonio Nogueira da Nóbrega lembra que muito antes disso, por volta de 1680, o bandeirante Domingos Jorge Velho desceu do Piauí com seu exército formado por 80 homens brancos e 1300 mamelucos e cruzou o sertão paraibano enquanto se dirigia para o vale do Piancó onde dizimou os Curemas e aí se estabeleceu. Isso bem antes de destruir Palmares. Por onde passou, Domingos Jorge Velho combateu ferozmente os índios.

Daí, imaginamos os ataques que certamente se deram aos índios que habitavam as margens dos Rios Marimbas e São José durante o período de chuvas. Os bandeirantes em seus cavalos, e grande parte deles a pé, surpreendendo os índios aos berros, atirando com seus rifles para todos os lados, ateando fogo nas ocas, matando os homens a sangue frio, violentando mulheres e crianças, acorrentando alguns deles para levar como escravos e destruindo sem piedade as suas plantações. Um intenso banho de sangue em dias de muita fúria.

E O Guarani? Bom, de início era um informativo impresso, que o vereador Wanderley Marques escrevia e distribuía com a população, para informá-la a respeito dos abusos cometido pela classe política da cidade. Não sabemos ao certo quantas edições foram publicados, nem a tiragem, mas nos recordamos bem de ter tido em mãos, um exemplar no qual foi veiculada uma interessante matéria em homenagem ao governo do ex-prefeito Antônio Francisco.  

Hoje O Guarani é uma página na web que se auto define como “um informativo comprometido em atualizar nossa gente sobre ações administrativas em nossa cidade”.  Em sua metamorfose, passou de um informativo comprometido com o povo, e que destilava ácidas e bem fundamentadas críticas ao sistema vigente a um blog que canta os feitos heroicos do prefeito Bodin, revestindo-os com uma densa camada de adjetivos caramelados.

Wanderley Marques foi durante muitos anos o melhor vereador que Cachoeira dos Índios já conheceu em toda a sua história. A sua atuação corajosa e coerente na oposição ao denunciar as injustiças cometidas pelos plantonistas do poder nos inspira a dar continuidade ao nosso blog. O Guarani e a TV do Povo foram maneiras criativas e ousadas de fazer sua voz, embora solitária, soar com dignidade e lucidez. Hoje é estranho ouvir de Wanderley um discurso totalmente inverso ao habitual. É como se aquele lugar, de onde fala atualmente, não lhe pertencesse. Mudou drasticamente. Como diria, mais uma vez Os Nonatos “Feito uma ave,/Que saiu do bando, que ficou sem ninho/ Igual uma rosa, que virou espinho,/Na metamorfose das desilusões”.